O Moisés de Queimados

Foi ontem, dia 17/02/2011, de manhã. Um policial do 24º BPM (Queimados) resgatou um recém-nascido que fora jogado em um valão da Travessa Doutor Geraldo Albernaz, no bairro Ponte Preta, em Queimados, na Baixada Fluminense, Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Valão é o nome dado, no Rio de Janeiro, aos córregos - boa parte deles muito poluídos, esgotos a céu aberto - muitos deles sem nome, maltratados, esquecidos, como o próprio menino achado em suas águas.

Ele devia ter horas de vida apenas, ainda tinha restos de placenta, estava embrulhado em panos e sacos plástico. Ele foi jogado do alto de uma ponte e chegou a ser arrastado por dez metros. Sobreviveu à queda e à água poluída, e lutou pela vida, segurando com uma das mãozinhas um galho de árvore da margem, para que a correnteza não o levasse.

Na Unidade de Pronto Atendimento onde foi internado recebeu um nome: MOISÉS. Biblicamente explicado: salvo das águas.

Me lembro das revistinhas de Escola Dominical da minha infância. As de hoje também não são muito diferentes. Para colorir, desenhos de um bebezinho dentro de uma confortável cesta, parecida com as de pão, toda forrada, acompanhado de uma bela menina adolescente. Depois, outra cena, uma bela princesa egípcia recolhendo o menino, encantada com sua beleza. Era a história de Moisés, desenhada em traços ocidentais. Nada de criança semita e princesa africana. Parecia que todos tinham olhos azuis...

Na idade adulta, aprendemos a ler a história de Moisés a partir da ótica de um povo oprimido, e o livro do Êxodo como uma hermenêutica da liberdade, no dizer do teólogo Severino Croatto.

O judeu Steven Spielberg também fez sua leitura da história de Moisés, que com certeza também conheceu na infância.

Acho que é hora de refazermos nossa leitura da história do Moisés bíblico em paralelo com esse novo Moisés de Queimados. Surgem, logo, algumas perguntas...

Sua mãe vai aparecer, depois que souber que a morte não conseguiu derrotá-lo?

Que princesa o adotará?

Que faraós ele terá de enfrentar?

Lutará pela liberdade de seu povo, sob a orientação de Deus?

Podemos falar de um Moisés predestinado, líder olímpico e solitário, subindo e descendo o Sinai para trazer a palavra de Javé para seu povo?

Ou teríamos hoje um Moisés coletivo, composto por essa criança achada no valão, em companhia de outras duas de Belo Horizonte, encontradas boiando no ribeirão Arrudas e na Lagoa da Pampulha...



Go down, Moses...

Tell, o Pharaoh

Let my people go!

Comentários

Unknown disse…
Muy provocadora tu reflexión, Daniel. Gracias por compartirla.
Daniel do Amaral disse…
Hermano Joel,
Gracias por tu reacción! Pero, aún más provocadora es nuestra realidad... Go down Moses!
Teresa Freire disse…
Belo texto. Como tudo que você escreve. Excelente analogia.
Unknown disse…
Uma coisa eu tenho certeza: Deus tem um grande plano na vida desta criança.

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