HOMENAGEM AO DIA DA MULHER

SERMÃO DE HOMENAGEM AO DIA DA MULHER 

pregado na IPU Brasília no dia 17 de março de 2013

TEXTO:  João 12.1-8

Recebi o convite da pastora Cacilene Nobre  para trazer a meditação desta noite, neste culto que homenageia a Mulher pelo transcurso de seu dia, 8 de março.

Não é fácil pregar para as mulheres da IPU de Brasília. Aqui elas estão no mando. Têm o pastorado e a esmagadora maioria do Conselho de Presbíteros. São maioria também na Junta Diaconal.  Todos aqueles discursos exaltando a igualdade de gêneros, o direito de a mulher ter voz e vez na Igreja,  o valor da mulher no Reino de Deus, aqui, parecem chover no molhado. Por isso me perguntei: como pregar para mulheres que já têm tudo?

O fato é que eu já vi igrejas sem pastor, sem instrumentos, sem coral, sem crianças, sem Bíblias, sem um monte de coisas. Mas eu nunca vi uma igreja sem mulheres!

Vamos lembrar de algumas coisas relacionadas à condição da mulher no século XXI:

·         Não vamos deixar de mencionar um acontecimento mundial ocorrido esta semana, a eleição do novo Papa Francisco.  Enquanto os cardeais se reuniam em conclave, muita gente se perguntava: quando chegará o dia em que, em vez de fumaça preta e fumaça branca, a chaminé da Capela Sistina vai soltar uma fumaça rosa, indicando a eleição de uma mulher como chefe da Igreja Romana? Mas o conclave é exclusividade masculina.

·         Os judeus, apesar de terem uma visão extremamente machista de mundo, consideram que a linhagem, a etnia judaica de uma pessoa, é transmitida pela mãe.  Se perguntarmos a um rabino se ele considere Jesus judeu, ele vai responder: Sim, a mãe dele era judia.

·         Outra lembrança que me ocorre é a lista dos oito Objetivos do Milênio, definidos pelas Nações Unidas para serem alcançados no mundo inteiro até 2015.  Desses oito objetivos, dois são relacionados especificamente com a mulher: o número 5,  A promoção da igualdade de gêneros entre homem e mulher; e o número 8,  A atenção à saúde das gestantes.

Com essas coisas em mente, comecei a imaginar qual texto bíblico seria o mais adequado para a pregação desta noite.  Aí me lembrei de meu mestre Luiz Carlos Ramos, que, como grande liturgista, defende que se deva pregar sempre no Lecionário Reformado, mesmo em cultos especiais comemorativos.  Ele diz que, do texto do Evangelho no Lecionário sempre se pode tirar algo relacionado com o tema do culto.  Assim, abri em João 12.1-8 e, para minha surpresa e grande alegria, vi que o texto tinha muito a ver com o tema da Mulher.  Podia pregar no Lecionário com absoluta tranquilidade.

Vamos ao texto:

1          Seis dias antes da Páscoa, foi Jesus para Betânia, onde estava Lázaro, a quem ele ressuscitara dentre os mortos.

Betânia era uma cidade próxima de Jerusalém. Dava para fazer o percurso a pé.  Jesus tinha ali uma casa de amigos. Eram duas irmãs e um irmão. Elas eram Míriam (que em grego virou Maria), Marta e o rapaz se chamava Eleazar, que em grego virou Lázaro.  Fazia pouco tempo que Jesus tinha estado em Betânia, chamado por Marta e Maria, para o velório de Lázaro. Foi daquela vez que Jesus ressuscitou Lázaro.

 2a       Deram-lhe, pois, ali, uma ceia;

Então, essa vinda agora era uma espécie de jantar de comemoração da ressurreição de Lázaro. No texto paralelo de Mateus 26, o encontro foi na casa de Simão, o Leproso.  Então, nós vemos Jesus ao lado de duas pessoas que passaram por profundas experiências de exclusão, situações limite:  Lázaro, morto;  Simão, excluído da sociedade por causa de uma grave doença de pele, que o impedia de conviver com as outras pessoas.  Provavelmente já estava curado, porque não poderia dar um jantar em sua casa se estivesse leproso.

Aqui chamo atenção para uma coisa.  Esse jantar era uma comemoração de pessoas curadas e ressuscitadas.  Eu pergunto: por que eu vim à igreja hoje? Será que não foi para comemorar a obra que Deus realizou na  minha vida, por meio de Jesus Cristo, curando-me do pecado e me resgatando da morte para a vida eterna – este o verdadeiro sentido da ressurreição – começando já nesta vida?  Pois eu vejo este como um dos significados de celebrações com esta que estamos realizando esta noite. Um banquete de pessoas ressuscitadas.

O texto fala de mais algumas pessoas que estavam na casa e daquilo que estavam fazendo. Passemos agora a observar a atitude de três personagens citados no texto:

2b        Marta servia, sendo Lázaro um dos que estavam com ele à mesa.

A primeira personagem mencionada é Marta. Nós já a conhecemos de um outro texto dos evangelhos, quando ela recebe Jesus em sua casa e reprova a atitude de sua irmã Maria, que ficou fazendo sala para Jesus em vez de ajudá-la no serviço doméstico. E aqui, Marta, mesmo não estando em sua casa, também está servindo os convidados! Marta representa a ordem. É aquela pessoa que está com Jesus, preocupada com o bom andamento das coisas. É dedicada, deixa tudo preparado, arrumado.

A segunda personagem é justamente a irmã dela,  Maria Betânia. Mais uma vez, ela não está servindo as mesas como sua irmã Marta. Ela está perto de Jesus

3          Então, Maria, tomando uma libra de bálsamo de nardo puro, mui precioso, ungiu os pés de Jesus e os enxugou com os seus cabelos; e encheu-se toda a casa com o perfume do bálsamo.

Maria derrama em Jesus um vidro de 350 ml de perfume puro, artesanal, muito caro. Seu valor correspondia a 300 dias de salário de um trabalhador.  Algo como 4 mil dólares.  O texto de Marcos 14:3 afirma que Maria ungiu a cabeça de Jesus. Neste texto (João) ela ungiu os pés.  Nos tempos bíblicos era costume se receber os convidados com a unção dos cabelos e dos pés, fazendo com que ele ficasse perfumado.  Aqui, Maria não só pratica um ato de cortesia como adota um comportamento simbólico, que fazia todo o sentido para a figura de Jesus. Vejamos:

UNGIR A CABEÇA = ao ungir a cabeça de Jesus, Maria proclama que Jesus é o verdadeiro Rei, que Ele é o Messias (o Ungido de Deus).  As palavras CRISTO em grego, e MASIAH em hebraico significam UNGIDO.

UNGIR OS PÉS = lavar os pés e passar perfume nos pés era o serviço do mais baixo escravo da sociedade. Ao ungir os pés de Jesus com o mais caro dos perfumes, Maria está proclamando ser a mais baixa de todas as escravas e que Jesus é o seu grande Senhor. Ela reconhece o SENHORIO de Jesus Cristo.

A atitude de Maria não é bem recebida por todos. Havia a mesa alguém que a reprovou.

4          Mas Judas Iscariotes, um dos seus discípulos, o que estava para traí-lo, disse:

 5         Por que não se vendeu este perfume por trezentos denários e não se deu aos pobres?

 6         Isto disse ele, não porque tivesse cuidado dos pobres; mas porque era ladrão e, tendo a bolsa, tirava o que nela se lançava.

Aqui aparece a figura maldita de Judas Iscariotes, sempre malhado na Semana Santa, acusado de traição e tudo que se pode atribuir a quem fracassa.  Pessoalmente, não acredito que Judas fosse desonesto, que desviasse o dinheiro dos discípulos. O raciocínio de Judas aqui é típico de quem está em busca do poder. O dinheiro arrecadado com essa oferta do perfume poderia ser aplicado em algum evento no qual os pobres da cidade seriam beneficiados, ficando eles com uma dívida de gratidão com Jesus e com o próprio Judas, que seria o responsável pela iniciativa. A solenidade teria muita música e um discurso de Jesus a respeito da opção preferencial de Deus pelos pobres. No final, seria construído um vínculo político clientelista, o que seria muito útil caso Jesus resolvesse mesmo pegar em armas para derrotar os romanos e seus aliados em Jerusalém.  Nós sabemos o que os homens fazem quando misturam álcool com testosterona. É uma combinação explosiva, que já matou milhões de pessoas com a violência das armas e do trânsito.

A visão de Judas era tipicamente masculina. Não era a visão do carinho e do cuidado, era a visão do poder. Essa é também a visão das igrejas que existem hoje. Construir grandes estruturas que se imponham na sociedade e, se possível, no mundo. Acabamos de assistir uma eleição papal. O papa Francisco dirigirá o Vaticano, um Estado com assento nas Nações Unidas e um poderoso Banco, volta e meia envolvido em escândalos financeiros. Suas palavras serão dirigidas a mais de um bilhão de pessoas ao redor do mundo.

Para não ficar apenas no campo católico, podemos ver também quantas igrejas se tornaram um conglomerado de empresas de comunicação, com rádios, emissoras de TV e jornais, além de um vasto patrimônio em imóveis. Junto com isso, uma boa bancada de parlamentares em todos os níveis de governo. Enfim, de todos os discípulos, Judas Iscariotes é um dos que continua a ter maior influência na história da Igreja ao longo dos séculos. Não pelo ato de entregar Jesus aos inimigos, mas pelo projeto de Reino de Deus que ele defendeu, e que parece atrair muitos líderes da igreja atualmente.

Diante desse conflito entre Judas e Maria, Jesus resolve se manifestar:

 7         Jesus, entretanto, disse: Deixa-a! Que ela guarde isto para o dia em que me embalsamarem;

 8         porque os pobres, sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes.

Essa frase do versículo 8 é uma das mais incompreendidas do Evangelho.  Ao dizer que os pobres, sempre os tendes convosco, Jesus não estava simplesmente dizendo para seus discípulos se conformarem com a pobreza, já que não tinha jeito de ela acabar mesmo. Jesus declara aqui que cuidar dos pobres é uma tarefa diária, permanente daqueles que o seguem e o têm como Senhor. E, também, que o reino deste mundo sempre gera desigualdade e exclusão.  A resposta a essa situação nem sempre é com dinheiro.  Pedro e João, na porta Formosa de Jerusalém, diante de um pedinte, tiveram que responder: Não tenho ouro nem prata...  mas o que eu tenho eu te dou: Em nome de Jesus Nazareno, levanta-te e anda! O que foi melhor? Uma doação em dinheiro ou a cura?

Só que, naquele momento, ele está a caminho da cruz, embora seus discípulos não estivessem se dando conta disso.  Maria de Betânia também não, mas sua atitude já contemplou essa situação. Porque só as mulheres têm essa percepção que escapa à lógica ou à aparência dos acontecimentos.

Acima de tudo, Jesus mostra que a atitude de Maria, reconhecendo-o como Senhor e, ao mesmo tempo, se colocando a seus pés como serva, é uma atitude fundamental do discípulo. E, também, que existe um momento na vida do cristão e da cristã que não o do serviço ou da afirmação institucional. É o momento da absoluta doação à pessoa de Jesus Cristo.

E foi assim que Jesus determinou que esse ato de Maria de Betânia fosse divulgado por todo mundo, onde quer que o evangelho fosse pregado: Eu lhes asseguro que onde quer que o evangelho for anunciado, em todo o mundo, também o que ela fez será contado em sua memória.  Citação do relato de Marcos 14:9.

Grandes homens fizeram grandes coisas, memoráveis, diante de Deus. Mas coube a uma mulher a honra de ser lembrada por isso.

Pb Daniel do Amaral